Os excluídos do 46° festival Folclórico de Parintins
22/6/2011

Saulo Borges
Da equipe de A Crítica
Este ano um único sentimento une três pessoas diferentes, mas igualmente emblemáticas na história recente do boi Caprichoso: a saudade. No caso de dois deles, essa saudade não está sozinha, vem acompanhada de sentimentos como a mágoa, a tristeza, lágrimas e de questionamentos que não cessam e lhes martelam a mente e a alma. É que o boi da estrela na testa, neste 46º Festival Folclórico de Parintins, não será confeccionado pelas mãos de Karu Carvalho, Otávio Muniz e Juarez Lima, que já foi conhecido em Parintins como o “louco” do festival e também como o “mestre do gigantismo”, por ter inserido na festa grandes alegorias.
Otávio Muniz, 44, tem no DNA, o azul do Caprichoso, a festa do boi em si. Ele é filho de uma família que é parte da raiz do Festival Folclórico de Parintins. É sobrinho de Raimundo Muniz, que junto do padre Francisco Lupino e de Janse Godinho, entre outros, organizou as primeiras competições entre Caprichoso e Garantido, pela Juventude Alegre de Cristo (JAC). Ironia do destino? Talvez. Raimundo Muniz morreu em 2004, entristecido com os destinos do festival, excluído da festa. Sequer recebia convite para assistir o seu Garantido no bumbódromo.
“A família teve duas vertentes, uma delas era do Caprichoso. Meu tio era Garantido”, esclarece Otávio. “O que mais me toca nisso tudo é que, depois de 28 anos trabalhando para o boi não me deram satisfação alguma, nem chamaram para me dispensar. Procurei o boi depois que vi meus amigos artistas todos sendo chamados para fechar contrato com o Caprichoso, e fui informado que eu não fazia parte dos quadros do boi para este ano”, destaca o artista, com olhos umedecidos. Ele lembra que recebeu camisa de sócio do boi, com o tema deste ano, mas sequer teve coragem de vesti-la.
Otávio revela que tentou se afastar de tudo referente ao festival, que não foi ao Curral Zeca Xibelão, que não participou de nenhum evento do bumbá, nem mesmo conhece as todas deste ano do bumbá, na tentativa de minimizar o sofrimento fruto da distante de uma festa que ajudou a construir em mais que metade de sua vida. “No início eu sofri mais. Agradeço a meus pais (Raimundo Batista Muniz, 75, e Malvina Muniz, 73). Eles me deram apoio”, afirma o artista. No Boi de Rua, ocorrido sábado passado, dia 18, evento em que o Caprichoso vai às ruas de Parintins, Otávio lembra que o boi passou na porta da casa dos pais de Otávio, na avenida Amazonas, a principal da cidade. “Mamãe beijou o boi, abraçou, amaciou a cabeça dele e disse para ele, como se ele lhe pudesse ouvir: ‘Você não tem culpa disso boizinho!’ Lhe chamei a atenção: ‘Mamãe, a senhora está falando com o boi? Ele não vai lhe ouvir, mamãe!”, lembra Otávio, que diz querer uma justificativa da direção do Caprichoso para ele estar fora do boi. “Quero saber é retaliação política por ter apoiado e trabalhado para Rossi Amoedo na eleição para presidente do boi (em setembro de 2010) ou se é problema com a qualidade do meu trabalho”, questionou.
O artista agradece o fato de ter tido as portas do Caprichoso fechadas. “Eu sofri sim, mas com isso muitas portas se abriram para mim. Passei a perceber que meu trabalho tem muito valor, pois recebi muitos convites para trabalhar”, declarou. “Eu vou voltar pro meu boi. Eu sou artista e vou continuar artista. Eles vão deixar de ser dirigentes!”, desabafou.
Gênio das alegorias
Karu Carvalho diz que também não teve satisfação alguma da diretoria do Caprichoso, sobre seu afastamento. São 23 anos de serviço ao boi da estrela na testa. “Ainda não caiu a ficha. Não realizei ainda a ideia de que estou fora do boi. Estou tentando me fazer acreditar que não vai ter festival este ano”, disse o artista que informa que vai estar no bumbódromo para assistir o bumbá do camarote da Secretaria de Cultura de Parintins. “Tive convite do Garantido, mas me segurei. Eu sou Caprichoso e vou voltar a trabalhar no meu boi.
Quando eu sair, eu quero me despedir, não quero sair assim, desta forma”, afirma.
Karu era um dos artistas de ponta do Caprichoso, assim como Ozéas Bentes, Rossy Amoedo e Teco Mendes. Na década de 90, ele chegou a fazer uma noite inteira de alegorias do bumbá, dividiu as demais noites com Ozéas e Jairzinho Mendes. Em 1994, ele foi ao Rio de Janeiro e trabalhou na escola de samba Beija Flor, ano em que a escola carioca recebeu Estandarte de Ouro por uma ala, feita pelo parintinense.
O artista lembra que a desavença que deve haver entre ele e Márcia Baranda deve ter ficado mais acirrada ainda. É que, domingo, dia 19, ele concorreu e venceu Ray Cardoso, irmão de Márcia Baranda, a eleição para presidente da Liga de Blocos Carnavalescos de Parintins. “Um colega me disse que a Márcia não sabe matemática. Ela quis me perseguir me tirando do boi, que me pagava R$ 5 mil e foi por ter me tirado do Caprichoso que acabei concorrendo a presidente da Liga e vencendo a eleição. Lá vou ganhar várias vezes mais que isso. Se ela tivesse me mantido no boi eu ganharia menos”, ironizou Karu que diz não passar na frente do Curral Zeca Xibelão.
Encontro
Otávio Muniz encontrou Márcia Baranda há aproximadamente 15 dias. “Fui ao escritório do boi buscar um documento que comprovasse que eu trabalhei no boi, mas ela não quis me dar acreditando que eu colocaria o boi na Justiça. Eu disse, olhando no olho dela, que nunca colocarei meu boi na Justiça pois alguém já fez isso. Ela mesmo colocou o Caprichoso na Justiça. Ninguém esquece isso”, afirma.
Zeca Xibelão
Zeca Xibelão, já falecido, foi o principal tuchaua do Caprichoso. Brincava no boi, na década de 80. Foi como ajudante dele que Otávio Muniz iniciou sua estrada no festival. Ele mantinha o seu quartel general (QG) (forma como é chamado o local onde são montadas as fantasias dos bois) diferente dos demais, organizado. No QG dele não se tocava músicas em volume alto, e eram assistidos apenas programas da igreja católica. “Lembro como era o momento em que ele saía de lá, fantasiado, pela avenida Amazonas, para o festival. Íamos auxiliando. O povo vinha para a porta de suas casas, o aplaudia, gritava, mas ele seguia, nem olhava, nem acenava e a gente também não podia fazer nada disso. Tínhamos quer ser como ele era, tratar tudo com seriedade”, disse Otávio Muniz, que afirma que trabalhou dois anos com Xibelão. Ele trabalhou na confecção de fantasias da Marujada de Guerra, de Tuchauas, Vaqueirada e alegorias do Caprichoso. Karu trabalhou na confecção de fantasias de itens dos bois, Tuchauas, Vaqueirada e alegorias. Ele revolucionou a Vaqueirada, inserindo junto à estrela um elemento temático, como uma coroa, no ano em que o boi falava da colonização branca no Brasil.
O caso de Juarez é diferente do de Karu Carvalho e Otávio Muniz. Antes da eleição, ao final da temporada de boi de 2010, ele entregou à diretoria do Caprichoso, uma carta em que solicitava seu afastamento. “Eu, com a aproximação desta época fico nostálgico, mas eu precisava me afastar. Não teria como assumir. E será interessante ver o festival de Parintins sem o meu trabalho. Tenho essa curiosidade”, disse.
Juarez Lima foi um dos primeiros artistas a fazer o intercâmbio boi de Parintins/carnaval do Rio de Janeiro. Em 1989, ele assistiu o carnavalesco Joãozinho Trinta montar um dos maiores desfiles da escola de samba Beija Flor, “Ratos e Urubus Larguem Minha Fantasia”, em que mendigos foram levados à Marquês de Sapucaí. “Quando eu vi o Joãozinho Trinta eu fiquei como se estivesse vendo um ser de outro mundo. Ele me transmitiu muita coisa. Nossas alegorias em Parintins eram de 3 metros por 5 metros, e cheguei cheio de ideias”, disse.
Na decada de 80 as peças alegóricas do festival, de acordo com Juarez, eram muito pequenas. “Para a festa crescer, ganhar notoriedade, tinha de ter alegorias gigantescas e de efeito. Então foi isso que fizemos. O mestre Jair Mendes chegou a dizer, em 92, que o Garantido estava pronto e que o Caprichoso vinha com um artista novinho, que era eu. Depois do festival daquele ano, Fred Góes (coordenador de artes do Garantido) disse que teriam que ver que destino o festival tomaria, já que um rapaz novato estava fazendo alegorias megalomaníacas no Caprichoso”, lembra. “Tive o privilégio de sair do boi desta forma, deixando o Caprichoso campeão e com uma alegoria que teve resultados positivos e foi bem comentada: o Aymá Sunhé”, disse o artista, que relembrou ainda mais duas alegorias: a da “Mãe Natureza”, de 1992, e da “Cobra Grande”, de 1998, que trouxe a cunhã-poranga eterna do Caprichoso, Daniela Assayag. “Também citaria a do boto, em que a Daniela rodava, montada num boto, 360 graus”, afirma. “Sinto orgulho quando ouço meus amigos me dizerem que estou fazendo falta no galpão do Caprichoso”, afirmou.
Presidente do Caprichoso, Márcia Baranda, economizou palavras quando questionada a respeito do afastamento de Otávio Muniz e Karu Carvalho do boi. Ela disse que Karu queria cobrar um cachê que o Caprichoso não podia pagar. Sobre Otávio, ela relatou não entender o motivo que o afastou do boi. A presidente disse que o público pode esperar um boi diferente este ano, com as mudanças. Questionada se o boi virá melhor, ela respondeu que isso se verá na arena. Sobre a diminuição em 20% do cachê dos artistas, o que foi afirmado por Karu e Otávio, Baranda disse que não estava sabendo de nada. Sobre quem deveria saber sobre isso, se o diretor financeiro do boi saberia, ela afirmou que talvez. Baranda informou que duas duplas de artistas do boi foram promovidas este ano, com a saída de Juarez Lima e Karu. Ela disse não lembrar que momentos da apresentação do bumbá, os artistas extreantes trabalharão.